19 de jun. de 2008

O DESAPARECIMENTO DE FLAUSINO*


Sabe gente, ha muito venho pensando nesse post. Ja tava querendo escrever ha muito tempo, muito mesmo.

Quando eu ainda morava no Brasil e tinha meus avos vivos tudo era muito especial, todos os momentos que passamos juntos foram de muita valia pra mim.
Sem demagogia nenhuma, quantos de nos sabemos realmente dar valor aos nossos avos? Cresci numa familia um pouco diferente no que se refere ao estilo de vida que meus avos levaram. Vou explicar pra voces porque eh bem interessante e intrigante tambem.

Sei que o post eh meio grandinho, mas vale a pena ler. espero que voces gostem!

*Minha avo Dona Osoria, era PORTUGUESA. Eh gente, bem branquinha , baixinha e bonitinha.
Meu avo Seu Antonio, era alto, encorpado, olhos puxados cor de me, cabelo liso, olhos e pele NEGRA...
Uma mistura bonita se poderia dizer, porem, as coisas nao foram tao faceis pra eles como voces podem imaginar, tendo uma origem tao diferente um do outro.

* O comeco:
Minha avo casou-se pela primeira vez com um homem chamado FLausino - casou-se por amor e teve 2 filhas.
Apesar de todas as dificuldades que se tinha naquela epoca, minha avo era feliz e amava o marido intensamente - ela mesma me confessou varias vezes.
Apos, alguns anos de convivencia (7anos pra ser mais precisa) , num belo dia durante a semana, seu marido, o tal Flausino disse a minha avo que iria comprar cigarros e ja voltava...

... NUNCA MAIS VOLTOU...


Por alguns dias todos ficaram desesperados e a busca se fez constante... Minha avo desesperada nao sabia o que fazer e temia o pior: que ele tivesse morrido.
Porem, a historia se desenrolou bem diferente do que ela esperava. Alguns dias depois do desaparecimento de Flausino, pessoas comecaram a bater na sua porta dizendo que vieram pra buscar os moveis vendidos...
"-Que moveis vendidos se nao vendi nada?" - perguntava minha pobre avoh...
Nao muito depois, ela veio a descobrir a verdade... FLAUSINO A HAVIA ABANDONADO, vendido os moveis da sua propria casa e fugido com uma professora conhecida da vizinhanca.
Parece cena de filme, nao parece???

Mas foi o filme da minha VIDA, a origem da minha familia... e foi gracas ao desaparecimento do tal FLAUSINO que eu PASSEI A EXISTIR NO MUNDO...juntamente com o resto da minha familia...
Nao que eu seja grata a ele pelo sofrimento causado a minha querida avo (nao me entenda mal), mas foi gracas a este Terrivel Fato que passamos a existir como FAMILIA,
A FAMLIA MAGALHAES*

Filha de Portugueses Rigidos, minha avo se desesperou ao se deparar com tamanha dificuldade, Com duas filhas pequenas, se viu obrigada a doar uma das meninas a sua madrinha e a outra, o destino cruel levou sem piedade, vitima da meningite, mal normal naqueles tempos...
Pressionada pelos pais e pela vergonha do acontecido, se viu diante do maior dilema de sua vida:
CASAR-SE DE NOVO E BEM DEPRESSA!
Na ocasiao, seus pais, meus bisavos, tinham conhecimento e amizade com fazendeiros e em uma destas fazendas eles acharam seu homem, o que resolveria todos os seus problemas.
Ele era o chamado HOMEM de confianca - o chamado: ADMINISTRADOR DA FAZENDA:
Sr. Antonio Magalhaes.
Apos a ideia ter sido introduzida a ela, garganta abaixo, minha avo relutou muito (se sentia traida, machucada e nao queria se casar com um NEGRO)...
Antigamente, como todos nos sabemos, o querer de uma mulher abandonada pelo marido, nao tinha muito valor e nao foi diferente com a Vo Osoria!
Casou-se! Papel passado e tudo... Os filhos vieram, um atras do outro, primeiro Ivani, depois Rene (minha mae), depois os gemeos (LuisAntonio- in memorium e Maria Luisa), Valquiria, Nagy, Solange, Antonio Filho e Livracio (o bebe)*
A voh nao era feliz. Dava pra perceber. Ela nao o amava e ai o drama comecou... O alcoolismo que ja era presente em seu sangue, tomou conta dela e as brigas comecaram...
... Quando minha geracao passou a existir e a entender as coisas, percebemos que os dois discutiam muito e nao entendiamos bem o porque... so + tarde, muito mais tarde...foi que passamos a compreender os fatos...
Um detalhe que na epoca me intrigava era o fato do Vo e da Voh dormirem em camas separadas... Ate uma determinada idade aquilo pra mim era normal (filha de mae solteira que nunca dividiu a cama com nenhum homem - pelo menos nao na minha presenca), nao via nada de diferente ou anormal...
So + tarde foi que comecei a entender, que casal (dorme na mesma cama) e o Vo e a Voh nao dormiam...
O intrigante era que mesmo (dormindo em camas separadas), mesmo brigando, eu percebia nos dois uma cumplicidade singular, um sentimento diferente, as vezes eles passavam horas conversando e muitas vezes, no auge da loucura, quando o Vo Antonio ia embora de casa (pra Marilia, cidade Natal dele), acabava voltando correndo... com saudades dos filhos e da Veia Izaura (como ele a chamava carinhosamente)...
A voh se transformou em uma alcoolatra e fumante, o Vo era protestante e sem vicios - Ja deu pra imaginar ne?
Foi so em meados de 1990 quando os medicos disseram a voh que ela tinha uma doenca no pulmao foi que ela parou de beber e de fumar...tarde demais...
Inevitavel foi sua morte, vitima de Axfixia Pulmonar em 1994.
Que dor!

O Vo morreu um pouco antes com quase 84 anos e sem tanto sofrimento (tendo em consideracao a morte sofrida da voh).
Me lembro que ela nao quis ir ao velorio e nem ao cemiterio (nao queria ve-lo morto), na epoca eu achei o cumulo, mas quem era eu pra julgar?? Hoje me arrependo ate dos meus pensamentos...
E eis que a familia se deparou com uma tragica realidade:
A REALIDADE DE NAO SE TER MAIS O VO ANTONIO E A VOH ISAURA*

Foi so depois da morte dos dois, ja quase na fase adulta foi que comecei a pensar o quanto de historia eu havia perdido... Me deparei com o pior dos sentimentos:
O Sentimento de Arrependimento.
Arrependimento de nao ter perguntando mais, arrependimento de nao ter visitado mais, arrependimento de ter deixado sempre pra depois... arrependimento de ter usado de tantas desculpas pra simplesmente "nao fazer" , arrependimento por nao ter feito tantas perguntas que hoje perturbam minha mente...
Apesar de todos os pesares, a Voh tava sempre feliz de nos ver.. amava os filhos com paixao (tinha algumas preferencias, nao vou mentir) - mas respeitava a todos e nos amava com paixao...
Lembro que eu tinha que pegar 2 onibus pra chegar na casa dela (essa era uma das minhas desculpas pra nao visita-los tanto-confesso), mas sempre que eu chegava, ela abria um sorriso lindo e dizia:
"- Ooo Nata, chego???"
E eu ja ia me apressando em dizer que tava com fome ... tambem depois de 2 onibus...
Lembro - me que eu sempre perguntava se ela ja tinha comido, porque na panela nunca tinha muito... e ela sempre apressada em responder dizia que SIM! Ja tinha comido!
... Praa + tarde eu descobrir (eh claro!) que ela nao tinha comido ainda.. mas cedia seu prato pra mim... sempre... eu pedia suco tambem (esquecendo-me que eles nao tinham condicoes financeiras de ter suco todos os dias) e eu a via indo correndo em cima do guarda-roupa verificar se tinha alguma moeda e so entao corria em direcao ao bar do lado (Bar do Seu Alcides) pedir um ki-suco de laranja fiado... mas vinha correndo fazer o suco pra mim... picava a cebola do jeito que eu gostava, colocava farinha e pimenta...
(nao, nao sou baiana) mas adoro farinha e pimenta!!!
O Vo nao era diferente, aposentado ha anos... desde que eu me entendo por gente, sempre tinha na carteira um dinheirinho que ele guardava "pra comprar doces pra mim e pro meus primos" e tambem pra ele... ele adorava o pudim de pao da padaria da esquina...
Ha tanto tempo nao como pudim de pao...
Nem sei se aguentaria a emocao...


Achava engracado ele guardar o dinheiro num saco plastico de leite (onde vinham os leites antigamente lembram? Leite B, Leite C... o saquinho dele era de Leite C, obviamente), nos corriamos na bomboniere perto da casa deles e nos enchiamos de doces... felizes da vida...
O vo, ficava sempre no portao... cortando as unhas grossas (provavelmente fruto da epoca em que ele trabalhava na fazenda). Ele as cortava com canivete - eu achava engracado...
Tava sempre de bom humor, tinha uma risada alta, gostosa assim do tipo:
hahahahaha!!!!! e no final da risada sempre tocia, tentando expelir o catarro no peito que o fazia cuspir depois de tossir...
A blusa azul de la (vinda sei la de onde) era sua marca registrada e a Biblia Sagrada que ele vivia lendo pela casa (RELIQUIA QUE HERDEI COM MUITA HONRA)...
Gente, eu podia continuar digitando por horas a fio, mas acho que voces entenderam o fio da meada ne?
Amem seus avos, seus pais, seus filhos, suas familias e amigos... assim.. como se nao houvesse amanha... Peguntem, deem atencao, tanta riqueza pode-se absorver quando conversamos com os mais velhos...

" Eh preciso amar... as pessoas como se nao houvesse amanha.. porque se vc parar pra pensar... na verdade nao ha... sou a gota d'agua, sou um grao de areiaaa... Voce me diz que seus pais nao te entendem.. mas voce nao entende seus pais..."
Depois de tantos anos, depois de ter perdido meus dois avos...e de carregar no peito a dor do arrependimento, Deus ainda foi Generoso e me concedeu um GRANDE PRESENTE:
UMA SEGUNDA CHANCE DE TER AVOS - (DAVID AND DONNA SMITH) - os avos do meu marido* mas esta eh uma outra historia que eu to louca pra contar e sei que voces vao gostar...
To Be continued...A seguir, cenas do proximo capitulo:
FOTO: DAVID SMITH E EU - JUN-08

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2 comentários:

Dani Vitrolinha disse...

Caraca amiga, hoje o post era grande, tive que voltar para ler em duas vezes acredita???
Mas é muito legal saber um pouco mais da sua história, vc contou tudo muito detalhado, adoreiii!

Beijocas.

Vivien disse...

que história interessante! Bom, meus pais todos os sábados visitavam meus avós, que moravam (os 4) em outra cidade a uns 40min (de carro) de Recife. E nós sempre íamos, eles nos incentivavam a sempre vê-los e não gostavam quando não queríamos ir (coisas de adolescentes). Dou muito valor à família e muuuuita atençao aos meus pais pq sempre ouvi sobre arrependimento de não ter aproveitado enquanto eles estivessem vivos. Aprendi isso com meus amados pais e os passarei aos meus filhos. Ame seus sogros e os avós de seu marido, tenha paciência p aturar o que não gosta, dê o seu melhor e te garanto que o arrependimento não fará parte de tua vida. xêro p ti e bom finde!